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Foto do escritorLuiz Fernando Coelho

Amadeus X Salieri


Outro dia, depois de assistir ao documentário The Social Dilema, após um período de absoluta indignação com as minhas próprias atitudes, consegui entender porque as mídias sociais exercem tanto poder nos dias de hoje.

Vivemos, realmente, presos a uma bola de chumbo, chamada celular.

Sem ela, nos sentimos perdidos, sem orientação.

Tudo por conta de todas as informações que este aparelho é capaz de oferecer, ao alcance de nossas mãos.

Nada contra.

Ao contrário. Muito útil.

A questão aqui é quem domina o que.

Mais do que isso, o nosso modelo de pensamento tem, hoje, total influência nos hábitos que adotamos, manuseando aquilo que, no passado, era um mero telefone.

Quantas vezes nos deparamos com mensagens agressivas, fora de propósito mesmo.

Reagimos rápido.

Muitas vezes estranhamos até nosso comportamento virtual, como se não nos reconhecêssemos naquilo que ali está, dito e enviado.

Criamos a cultura do on.

Sempre ligados.

Instantâneo.

Com esta necessidade, fica faltando espaço de tempo.

Somos capazes de ficar lendo as redes sociais, o dia inteiro.

Somos incapazes de ler um livro, por mês.

Construir um pensamento, um conceito, é incompatível com a velocidade dos bits e bytes que circulam nos softwares e sistemas, nestas caixinhas que nos acompanham no dia a dia.

A avaliação sem profundidade.

A resposta na ponta dos dedos.

Digitar.

Gravar um monólogo de áudio, que vai tentar dialogar com outro.

Tudo rápido.

Muito rápido.

No final do dia, criamos uma camisa de força, com padrões completamente rígidos e que ditam regras de comportamento.

Acreditamos que o padrão é achar que não há padrão, naquilo que é um padrão.

E ainda chamamos isso de diversidade.

O conceito de diversidade traz em si a aceitação daquilo que é diverso, diferente, dialético.

Como não temos muito tempo.

A reação precisa ser imediata.

Acabamos vivendo num regime ditatorial que nos impõe rapidez.

Esta questão, aliada a impessoalidade que a tecnologia nos proporciona, isto é, o não reconhecimento que do outro lado de nossas teclas, tem um outro ser humano, acaba consumando um relacionamento rápido, rasteiro, sem muito compromisso.

Estamos conectados com um monte de gente sim, mas que, no final do dia não está realmente conectada com você.

Hoje, caracterizamos pessoas, pelo número de “conexões” que elas possuem.

Difícil, não é!

Vivemos nas redes, presos a likes, compartilhamentos, cumprimentos de aniversário, e atitudes que não fazem sentido em algumas situações. Por exemplo: curtimos um post de alguém que está dizendo que um parente morreu!

É o padrão que o meio nos impõe.

Torcemos para termos muitos likes, importando pouco de quem sejam.

Procure um hotel, por exemplo. No segundo seguinte, aparecem um monte de ofertas.

Ou tente se descredenciar de algum emissor de mensagens.

Além de achar as letrinhas miúdas, ainda temos que responder, porque queremos sair, de algo que não pedimos para entrar.

Fácil?

Faz sentido?

Eu creio que, esta violência silenciosa a qual somos submetidos, esteja tornando as reações dos próprios humanos, menos racionais e mais impulsivas.

O mundo está, violentamente, mais rápido.

Este fator nos faz, cada vez mais, repudiar o que não está dentro do padrão.

Uma rede nos aprisiona no número de palavras. A outra, no tempo. E as normas, vão aparecendo: ninguém lê texto grande; música, você não precisa escolher; o sistema escolhe. Para continuar vendo um vídeo, interrompido no meio, por um reclame, você precisa ver o anúncio até o final.

Este é o padrão.


Marshall McLuhan, um filósofo e teórico da comunicação, disse no século passado, que “o meio é a mensagem”.

Hoje, o meio é tudo, além de determinar os padrões de diversidade aceitos.

Viramos mercadoria de troca.

Geramos valor, em dólar, para as organizações que disputam este mercado.

Parece um contrassenso.

A tal diversidade, vira um padrão, com características definidas de uma estética, aprisionada a conceitos de rapidez.

Mais rápido.

Mais ágil.

Resposta imediata.

E o tempo não para.

Com todas estas regras, impostas, por um conceito que pretensamente se coloca como aberto, democrático, livre de preconceitos, pensei em uma das histórias, que mais me chamou a atenção, na música.

Quando Mozart surgiu, o discurso dominante era o de Salieri, que era o compositor da corte do então rei do império austríaco D José II.

Isto significa que tudo poderia ser aceito desde que se submetesse ao padrão de qualidade que o maestro representava.

Fico imaginando então.

Mozart e sua música.

Diversa, diferente, em sua época.

Como seria então, para vencer a resistência das redes, se hoje, a música de Salieri fosse o padrão?

E a aceitação da Nona de Beethovem, composta por um surdo?

Van Gogh, vejam a história.

Ou mesmo Niemeyer, aqui no Brasil.

Nesta ditadura exercida por estas regras, onde analisamos tudo que aparece sob este olhar, nos traz hoje uma possibilidade enorme de só termos Salieris.

Nada contra o compositor italiano, que tanto sucesso fez, na corte de

José II, Arquiduque da Áustria, a partir de 1766.

Muito menos em relação as mesmas redes sociais, principalmente pela possibilidade de franquear a informação.

O ponto de meu pensamento é: como estas redes, expondo você ao que estiver programado para você, podem interferir de forma a tornar inviável o surgimento da diversidade?

Este é o dilema.

O que seria de nossa música se somente houvesse surgido Salieri e os padrões vigentes, à época, e descartado Mozart?

Só uma reflexão.




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